Mandamos uma espiã para o Seminário de Comunicação do PL
Com Big Techs lado a lado com Bolsonaro, a extrema-direita está pronta para 2026 – e a gente?
Na semana passada, estivemos em Fortaleza para acompanhar ao vivo o 2º Seminário Nacional de Comunicação do Partido Liberal, que contou com a participação de gigantes da tecnologia como Meta e Google, além de Jair Bolsonaro e figuras centrais de seu partido. O que presenciamos foi um vislumbre do futuro da disputa política no Brasil – e da sofisticada batalha que enfrentaremos nas eleições do ano que vem.
O seminário reuniu mais de 700 pessoas no Centro de Eventos do Ceará, e foi cuidadosamente embalado numa estética de superprodução: telões em 4k, palco elevado com projeções futuristas, iluminação de balada, trilha sonora que alternava entre funk, reggaeton e piseiro bolsonarista, e uma cabine de IA gamificada onde qualquer um podia sair com uma versão cartoon patriótica de si mesmo. Logo na entrada, os participantes cruzavam um corredor de LED com imagens vibrantes de Bolsonaro – uma espécie de túnel do tempo que misturava o culto ao passado com a promessa de um futuro high-tech.
Do lado de fora, um grupo de apoiadores com bandeiras do Brasil e camisas da seleção aguardava ansiosamente a liberação de mais ingressos gratuitos, esgotados dias antes. O evento, marcado para 8h, começou às 9h30 – tempo estratégico para preencher lugares vazios com os fãs que ainda estavam na porta. As dez primeiras fileiras, reservadas para políticos e influenciadores, foram sendo liberadas conforme convidados não apareciam, restando apenas quatro ao final. Quando um senhor com uma camiseta do Bolsonaro tentou sentar numa dessas fileiras, ouviu de um organizador: "Quem sentar aqui sem credencial de influenciador será convidado a se retirar!"
No microfone, quem dava o tom era Rafael Satiê (PL-RJ), vereador carioca que participou do documentário da Brasil Paralelo "Paraíso em Chamas", sobre o qual falamos algumas edições atrás. Atuando como mestre de cerimônias, Satiê aparecia a cada 15 minutos para manter o público engajado por conta do atraso: “Quem quer ver o Bolsonaro levanta a mão!” – ao que a plateia respondia com gritos eufóricos. Ele também aproveitava cada fala para promover a cabine de inteligência artificial, cujas senhas estavam sendo liberadas para participantes.
“Aqui na minha direita tem uma senha, e aqui na minha outra direita – porque aqui não tem esquerda – está a outra senha.”
A trilha sonora era um espetáculo à parte. Além de uma versão instrumental de Baile de Favela (tocada em looping), a playlist incluiu músicas como “Chora Petista”, funks do MC Reaça e até um reggaeton com uma criança rimando contra a ideologia de gênero. Mas a que mais me chocou foi “Meu Filho Vai Ser Bolsonarista”, uma ode à extrema-direita:
"Quando meu filho nascer / Vai seguir os passos do pai / Suas primeiras palavras / O petismo nunca mais / Vai usar roupa do Ustra / E ser fã do Bolsonaro / Na escola com os amigos / Vai oprimir pra caralh*”
A abertura: Valdemar em modo cringe
O primeiro discurso foi um show de constrangimento. Valdemar Costa Neto, presidente do PL, começou agradecendo às Big Techs e gaguejou diversas vezes enquanto lia um texto cheio de termos que claramente não fazia ideia do que significavam, como “flopou”, “stalkear” e “dump". A tentativa de parecer jovem, conectado e digital resultou num teatro involuntário sobre o abismo geracional e tecnológico entre a cúpula do PL e o exército que eles tentam liderar. A plateia riu. Não de empolgação, mas de nervoso.
Logo depois, assistimos a um vídeo institucional que falava sobre liberdade de expressão, atacando a esquerda, Lula e Janja, e louvando Bolsonaro como o salvador da pátria. O culto à figura do ex-presidente era onipresente.
Rogério Marinho e a cartilha ideológica
O discurso mais ideológico foi o do senador Rogério Marinho (PL-RN). Com um adesivo no peito escrito “Anistia Já”, ele abriu com ataques ao PT pelo escândalo do INSS e seguiu falando contra o STF, com foco no Tema 987 (que trata da regulação das Big Techs).
“A internet é do povo e não das grandes máquinas. Ela é o único ambiente que o PT não consegue dominar.”
Em tom de guerra cultural recheado de críticas a Lula e Janja – acompanhadas de gritos da plateia clamando "Lula ladrão seu lugar é na prisão" e “Volta Bolsonaro” –, Marinho exaltou a propriedade privada, divulgou a “Academia Brasileira de Política Conservadora” (que conta com aulas de 5 minutos sobre o pensamento liberal e conservador), agradeceu Eduardo Bolsonaro por estar nos EUA “lutando pela nossa liberdade”, e prometeu varrer a esquerda do mapa em 2026.
IA, WhatsApp e Cap Cut como trincheiras
Na sequência, o palco foi dominado pelas big techs. A Meta, representada por Felipe Ventura, ofereceu uma palestra sobre como criar prompts eficientes, usar a Meta AI para gerar imagens e vídeos, e se comunicar com o WhatsApp Business.
A apresentação foi bem “chapa branca” e evitou qualquer menção ao uso político da plataforma. Para ensinar sobre inteligência artificial, o palestrante usou exemplos como a criação de estratégias para uma agência de turismo, mensagens de aniversário, ideias de receita e campanha de marketing para uma bebida energética. Felipe focou na facilidade de acesso, pedindo a todos para entrar no WhatsApp e começar a conversar com a inteligência artificial da Meta. Em seguida, explicou como usar o WhatsApp Business.
“Se você não vende nada, você pode vender uma ideia. Influenciar alguém a tomar uma decisão sobre algo. Isso também vai ser feito através do WhatsApp.”
Quando Felipe perguntou quem ali já tinha gerado uma imagem com IA, poucas mãos se levantaram. O interesse era baixo. Ao meu lado, uma mulher dormia. Quando acordava, perguntava: “Falta muito pro Bolsonaro aparecer?”
Logo depois, o trio Jhon Henrique, Vitor Reels e Dan Maker entrou em cena para falar de edição de vídeos com o CapCut. Empolgados, eles apresentaram truques de como usar o aplicativo para edição de vídeos políticos (com direito a estudo de caso de uma campanha para Michelle Bolsonaro), mostraram técnicas de enquadramento, uso de legendas, edição automatizada, e principalmente, falaram da importância dos sinais e de se comunicar com emoção e autoridade.
“No ano passado a gente estava dirigindo o audiovisual de uma campanha municipal. E aí de última hora, a gente teve que mudar o texto, porque a candidata começava falando mal da cidade. Eu falei ‘Candidata, vamos começar elogiando a cidade, ao invés de falar mal. E aí depois de elogiar a cidade, a gente critica a antiga administração, é melhor’.”
Do púlpito ao TikTok: o PL Ceará em campanha
Entre as oficinas de IA e os discursos inflamados sobre liberdade de expressão, o seminário também abriu espaço para um Painel Político com parlamentares do PL Ceará. Subiram ao palco Carmelo Neto, Bella Carmelo, André Fernandes, Priscila Costa, Dra. Silvana, Alcides Fernandes e outros nomes do partido no estado. O tempo previsto para cada fala era de dois minutos. Na prática, o tempo foi ignorado e o palco virou palanque.
As falas giraram em torno dos pilares do bolsonarismo: família, fé, luta contra o “sistema” e adoração a Bolsonaro. Carmelo Neto, presidente estadual do partido, foi celebrado por colegas como articulador da mobilização local. Bella Carmelo, esposa de Neto, falou da própria trajetória como influenciadora que cresceu politicamente nas redes – de “cancelada” por apoiar Bolsonaro em sala de aula a vereadora catapultada pelo TikTok. “A rede social hoje, ela fura bolhas”, afirmou, incentivando os presentes a usarem seus celulares como ferramenta política.
André Fernandes foi apresentado com entusiasmo como “prefeito de Fortaleza”, apesar da derrota nas urnas. Ele falava como quem já está em campanha: convocou a base, fez crítica ao governo Lula, defendeu a liberdade e a mobilização conservadora como missão para os próximos anos.
O deputado-pastor Alcides Fernandes, pai de André, trouxe uma das falas mais performáticas ao comparar o Brasil com o Titanic, afundando por “pedras” como ideologia de gênero, aborto, maconha e corrupção. Por fim, clamou pela volta do Capitão Bolsonaro.
O painel não discutiu ferramentas, estratégias ou formatos, mas foi mais uma etapa do ritual de reafirmação ideológica e mobilização eleitoral. No palco, uma direita cearense que fala a mesma língua da matriz bolsonarista: emocional, religiosa, polarizadora – e totalmente afinada para 2026.
O evangelho segundo Gemini
Depois da Meta, o Google tentou condensar o futuro da comunicação digital em uma apresentação expressa. Ricardo Vilela, gerente de engajamento cívico da empresa, subiu ao palco com um cronômetro na cabeça: os 45 minutos previstos viraram 15. Ele mostrou ferramentas como o Gemini e o Notebook LM – plataformas de IA que criam resumos automáticos, mapas mentais, posts prontos para redes e até podcasts a partir de documentos ou vídeos.
A ideia era empoderar a militância digital bolsonarista com a tecnologia da empresa. Mas o resultado foi mais um tutorial atropelado. Em um auditório inquieto à espera do mito, a IA do Google não conseguiu a atenção esperada.
Carlos Bolsonaro: entre os números e as lágrimas
Carlos Bolsonaro entrou em cena com um slide distorcido ao fundo, exibindo os números de seguidores das redes dele e do pai como troféus – a estética precária contrastava com a grandiosidade que tentava transmitir. Contou, em tom de martírio, que não tem vida pessoal, e que abre mão de tudo em nome da “missão”. E chorou, literalmente, ao falar do amor que tem pelo pai.
“Eu acho que eu fiz parte de uma coisa que trouxe o resultado. Caramba! Quem esperaria?”
O grande ato final de Bolsonaro
Ao som do piseiro “Volta Capitão”, Bolsonaro entrou no palco como a grande estrela do dia. Recebido com aplausos, gritos e bandeiras ao alto, ele então repetiu o roteiro que sua base conhece de cor: falou em perseguição, liberdade e proferiu ataques à oposição e ao “sistema”. Agradeceu seu filho Carlos – “meu marqueteiro” – e se emocionou ao falar de Eduardo Bolsonaro, “autoexilado” nos Estados Unidos para não ser preso.
Adotando uma postura de denúncia, ele se colocou como um mártir: “Eu duvido ter um político mais perseguido do que eu na história do Brasil”. Reclamou das dezenas de acusações – “até a morte da Marielle colocaram na minha conta” –, atacou o STF e reforçou a narrativa contra o “PL da Censura”.
Ainda repetiu uma fala atribuída a Lula, que já havia sido citada outras duas vezes por parlamentares durante o evento: que “Deus deixou o nordeste sem água porque sabia que ele [Lula] levaria a água de volta pra lá”.
“O parlamentar do baixo calão, conhecido por fazer barulho, de repente chega à presidência da República. O motivo de vocês estarem aqui hoje é a comunicação.”
Bolsonaro elogiou Donald Trump, com quem disse ter construído uma relação de amizade, e agradeceu publicamente à Meta e ao Google por “estarem do lado certo”. Também afirmou que foi o criador do Pix (que começou a ser desenvolvido em 2018, ainda no governo Temer), ao que o público respondeu com gritos de “Mito! Mito! Mito!”.
Ao fim, o auditório inteiro se levantou. Em poucos segundos, centenas de pessoas se amontoaram em frente ao palco, celulares em punho, disputando uma selfie com o ex-presidente.
O PL está pronto para 2026. E a gente?
Enquanto o PL treina sua militância, investe em conteúdo, estrutura e storytelling, o campo progressista hesita em levar a comunicação a sério. É preciso entender que estamos diante de uma máquina profissionalizada, emocionalmente afinada e tecnologicamente equipada para a disputa política e ideológica.
Eles têm método. Têm narrativa. Têm infraestrutura. E já estão em campanha.
A pergunta que precisamos fazer não é apenas “como responder?”, mas “o que estamos construindo?”. A comunicação progressista não pode continuar na defensiva, improvisada, desarticulada. Ou a gente começa a pensar como um ecossistema – com comunicação, estratégia e investimento – ou 2026 já tem dono.
A extrema-direita está organizando seu futuro. A gente não pode continuar apenas respondendo ao presente.
Um abraço,
Equipe do Projeto Brief
Se comentar que andei acompanhando um pouco dos eventos de comunicação petistas acaba que não vi tanta diferença em termos de haver conteúdo estratégico, pathos discursivo etc. Porém é de se reconhecer que a forma de atuar no campo progressista é sobre um marketing mais "formal", como se não estivéssemos num contexto dos extremos.
Outro ponto em comum, com ressalvas particulares a cada lado do jogo, é que a impressão que o texto me deixou é de um perfil dos participantes desse tipo de evento: militância passional. Porém não se trata dos detentores do manejo da máquina, ou de pessoas predominantemtete dedicadas a um aprendizado de meios: caberia até descrever tais grupos como leigos, ou apenas uma claque. Quanto às lideranças políticas, não imaginava, mas aparentemente a atuação de Waldemar reflete que a idade pesa para qualquer lado quando o assunto é comunicação e tecnologia.
O fato é que esta extrema direita detém uma máquina cuja capacidade depende da permissividade da justiça: se as Big Techs perderem o domínio que tanto lhes custa (ao meu ver a contento - mesmo que com uma percepção míope - da mídia tradicional), menos maculadas serão as eleições - para contento, dessa vez, aos marketeiros "tradicionais".
Fiquei curiosa para saber da participação feminina no evento. Na plateia? No palco me pareceu que mulheres estiveram ausentes.