Netflix da Extrema-Direita? Entenda o segredo do sucesso da Brasil Paralelo
Como um portal de conteúdo conservador surfou nas tendências políticas, de conteúdo e dos algoritmos, para se tornar um dos principais (e mais lucrativos) canais de mídia do país.
Na última semana, a Brasil Paralelo lançou sua mais nova produção – o documentário Paraíso em Chamas, que trata sobre a segurança pública no Rio de Janeiro e as supostas causas da criminalidade. Com cara de série da Netflix, a mega produção traz entrevistas, imagens aéreas de drones, trilha sonora dramática e declarações enviesadas de policiais, políticos e supostos ex-bandidos sem rosto. O objetivo? O de sempre: apontar a esquerda como inimiga da ordem e da família brasileira.
Aqui no Brief, a gente fez o que ninguém gostaria de fazer numa terça-feira à noite: reuniu o time inteiro pra assistir ao novo filme. Não, não recebemos adicional de insalubridade. Sim, fazemos isso por vontade própria (e um pouco de espírito investigativo masoquista também).
O tema desse documentário é particularmente relevante pra gente: a segurança pública é um dos maiores calcanhares de Aquiles do campo progressista — e a extrema direita sabe disso. Enquanto a esquerda é rotulada como “defensora de bandido”, a nova direita aparece com discurso pronto, visual impactante e soluções autoritárias embaladas pra presente. E não é à toa que esse vai ser um dos temas centrais nas eleições do ano que vem.
Mas não é só o documentário que importa — é toda a engrenagem por trás dele. Porque enquanto você tenta decidir se posta ou não aquele vídeo contra a anistia aos condenados pelo 8 de janeiro, a Brasil Paralelo já lançou mais uma superprodução, ativou sua base com diversos e-mails, liberou 3 spin-offs, disparou anúncios em tudo quanto é plataforma e empurrou mais um monte de conteúdo “educacional” para escolas pelo país.
Essa newsletter é sobre isso: como a Brasil Paralelo deixou de ser só uma produtora e virou uma máquina de doutrinação conservadora — com megaproduções, uma estratégia de distribuição massiva, uma base fiel e muito, muito dinheiro.
As narrativas do documentário
Paraíso em Chamas faz tudo que a Brasil Paralelo sabe fazer bem: pega um tema complexo, envolve em produção cinematográfica e entrega uma narrativa emocional e ideologicamente afiada.
Alguns dos principais pontos apresentados:
Criminalidade como herança da esquerda: o filme associa diretamente a ascensão das facções criminosas a uma suposta influência ideológica. Cita táticas de guerrilha, treinamento em Cuba e traça paralelos entre o Comando Vermelho e o comunismo, sem qualquer fonte ou comprovação.
Brizola como vilão: o documentário responsabiliza o ex-governador pela escalada da violência no Rio. Não por acaso, um dos spin-offs lançados logo depois do filme foca exclusivamente nessa figura. A estratégia é clara: encontrar culpados com nome, rosto e vínculo com a esquerda.
Reabilitação da imagem da polícia: o discurso de que a PM é “injustiçada” pela mídia ganha força. O documentário rebate diretamente a ideia de que a atuação da polícia é despreparada ou violenta, e reforça que quem desinforma seria, na verdade, as ONGs e a imprensa.
A milícia como mal menor: o documentário sugere que comunidades sob domínio miliciano seriam mais “organizadas” e menos violentas do que as controladas pelo tráfico.
Funk como apologia ao crime: o MC Oruam é citado como exemplo entre artistas que “exaltam o tráfico e a criminalidade”. A menção vem na esteira do PL anti-Oruam, mostrando como o documentário surfa em pautas legislativas reais pra reforçar o moralismo punitivista.
Bukele, o fantasma nos comentários: o polêmico presidente de El Salvador, alvo de diversas denúncias de violação de direitos humanos, não é citado no filme, mas domina os comentários no YouTube como solução para a criminalidade no Rio. Coincidência ou não, Eduardo Paes embarca em breve pra lá.
A mensagem final não é dita em voz alta, mas está em cada frame: a violência no Rio não é só um problema — é uma consequência ideológica. E a única saída, segundo essa lógica, é endurecer.
A engrenagem da distribuição
O lançamento do documentário é só uma peça de um plano mais amplo. O que vem antes — e o que vem depois — é o que transforma cada produção da Brasil Paralelo em uma operação coordenada de convencimento em escala.
Paraíso em Chamas não foi jogado no YouTube e pronto. Ele foi lançado com uma campanha estruturada, aquecimento prévio, teasers, trechos estratégicos nas redes e conteúdos complementares que já estavam prontos bem antes da estreia. Em poucos dias, três spin-offs já estavam no ar, incluindo um vídeo de meia hora dedicado a Brizola.
A ativação da base é intensa: no mínimo dois e-mails por dia, convocando, comentando, oferecendo bastidores e puxando links para conteúdos relacionados. Cada peça leva à próxima. E tudo isso vem junto de investimento pesado em tráfego pago — com anúncios espalhados por todas as plataformas.
A lógica é de funil: o conteúdo gratuito atrai, o e-mail retém, os derivados aprofundam e, no fim, o destino é sempre o mesmo — a plataforma fechada da BP, onde estão os cursos, os bastidores e a promessa de “formação verdadeira”.
Tudo é pensado pra parecer natural, orgânico, “de quem só quer informar”. Mas é exatamente o contrário: é distribuição milimetricamente planejada, com base em técnicas de marketing digital, segmentação de público e ativação contínua.
A Brasil Paralelo construiu mais do que uma produtora. Criou um ecossistema de comunicação onde cada conteúdo, cada curso, cada desenho animado faz parte de um projeto maior: disputar sentidos, formar base e ocupar espaço.
A boa notícia? Eles não têm superpoderes. Têm estratégia. Têm método. Têm constância. E têm dinheiro, claro — mas até isso é consequência de uma narrativa bem montada, que oferece explicações simples para um mundo complexo.
A lição que fica não é sobre o tamanho da ameaça — isso a gente já entendeu.
É sobre o desafio de construir uma resposta à altura: com linguagem que acolhe sem infantilizar, com frequência que forma hábito, com estética que convida, com distribuição que alcança — e com coragem de disputar antes que a explicação pronta chegue primeiro.
Porque o que eles têm não é só estrutura. É projeto. E a gente precisa encarar o nosso.
Um abraço,
Equipe do Projeto Brief.
Eu teria interesse em colaborar numa plataforma semelhante, só que com viés diametralmente oposto ao Brasil Paralelo. O GregNews, do Gregório Duvivier, foi um exemplo exitoso. Assistia regularmente e entrou na rotina de casa e de alguns amigos. Pena que foi descontinuado. Mas tb poderíamos fazer filmes, documentários, ter curadoria (há filmes ótimos que são didáticos e promovem reflexão). Até filmes mais alienantes poderiam ser expostos com pop-ups salientando os trechos manipulativos...
Muito boa o levantamento dos dados e a análise. Precisamos nos organizar melhor