Ontem tivemos as primeiras rodadas de debate das eleições municipais no Brasil. Em São Paulo, um nome que já concorreu à presidência chamou atenção e ocupou o topo de buscas no Google e também os top trends no X (ex-Twitter).
Pablo Marçal.
Coach? Influencer? Golpista?
A gente poderia abrir esta news destrinchando sua trajetória. Acredite, tem muito cadáver nesse armário: de participação em quadrilhas que desviavam dinheiro de banco até graves acusações de envolvimento com o PCC.
Mas não. Aqui vamos falar de comunicação. Marçal não é flor que se cheire, mas do ponto de vista de comunicação digital, ele sabe muito bem o que faz.
Cerca de uma hora antes do debate começar, Pablo disparou uma mensagem convidando toda sua base de e-mail marketing para acompanhá-lo ao vivo na Band. A lista, construída por ele ao longo dos anos como empresário, coach, vendedor de cursos e palestras, pode facilmente estar na casa dos milhões de pessoas.
Aliás, em menos de 12 horas desde o início do confronto televisivo, Marçal já publicou no feed de Instagram mais de 25 conteúdos, em sua maioria trechos curtos de vídeos, para os seus mais de 12 milhões de seguidores. Boulos postou 8, Nunes postou 1. No Tiktok, nos 16 vídeos que postou, já acumula mais de 2 milhões de plays em menos de 12 horas.
Não é só sobre frequência. É um olhar estratégico para o formato. Marçal vai ao debate não para apresentar suas propostas, não para defender sua visão para a cidade e nem para vencer embates. Marçal vai lá para, essencialmente, sempre comportar-se como se tivesse vencido todos os embates da noite e produzir material para cortes.
Como Marçal enxerga - e opera - comunicação
Esse modus operandi, na verdade, já é corriqueiro para Pablo Marçal. Suas palestras, entrevistas, e até os roasts (formato de programa em que humoristas são convidados para fazer piada de um anfitrião que ocupa o centro do palco) dos quais é alvo têm como propósito maior apenas uma coisa: entupir a internet com a imagem dele.
E será que Marçal não se preocupa em ser visto como alguém explosivo, despreparado ou inconsequente? Aspas para ele, durante uma entrevista recente ao comediante Maurício Meirelles:
"Primeiro eu ocupo o terreno, depois eu mudo a escritura.”
É a versão 2024 da estratégia que Bolsonaro usou há 10 anos, quando batia cartão no Superpop para falar absurdos e gerar memes em grupos conservadores no Facebook. O que Bolsonaro fazia, no entanto, parece até inocente em comparação ao plano que o coach vem colocando em prática.
Veja: Marçal não “era coach” e agora “é candidato”. Ele não separa os dois mundos. Sua candidatura é, no ecossistema do business Marçal, só mais uma unidade de negócio do mesmo empreendimento, que vende outra versão do mesmo produto: ele.
Como em suas outras unidades de negócio, a candidatura se vale da mesma ampla estrutura de comunicação, da mesma equipe e das técnicas consolidadas e efetivas de marketing, de retórica e de vendas.
Seus ídolos são pessoas como Jordan Belfort, o trambiqueiro convertido em bilionário interpretado por DiCaprio em O Lobo de Wall Street, que transita pelo mundo buscando em qualquer detalhe oportunidades de acumular capital. E, como comunicador hábil, conduz todas essas frentes por meio da mesma lógica de comunicação e orientadas pelo mesmo propósito: a venda a qualquer custo.
Para vender qualquer um de seus produtos, Marçal começa captando potenciais compradores (no marketing, os “leads”), classificando-os por interesses e disposição para a compra dentro de um software de gestão de contatos e então começa a se comunicar diretamente com eles, constantemente (o CRM, no marketing). Pelas ações dos usuários, identifica precisamente qual dentre seus produtos é mais adequado para qual perfil de usuário e em que fase da “jornada de compra” esse usuário está.
Tudo junto e misturado
Aqui está um exemplo de coo Marçal rompe as barreiras entre marketing, comunicação de massa e a carreira política: entre os cursos, palestras e eventos que ainda estão sendo vendidos por ele, um deles é um curso que custa só 12 reais.
Com uma estratégia de mídia paga, Marçal anuncia a venda desse curso para milhões de pessoas, com foco em homens até 35 anos, de classe C e D. A promessa? Qualquer um deles pode ficar rico na internet, ter independência financeira, conquistar luxo e prosperidade. Basta aprender a fazer cortes em vídeo, a ativar a monetização de plataformas como YouTube e TikTok e se tornar um empreendedor digital.
No curso, os alunos aprendem as ferramentas necessárias para editar os vídeos, como operá-las, como usá-las de maneira gratuita. Também aprendem técnicas de comunicação, narrativa e de redes sociais e assim identificarem melhor quais cortes têm melhores chances de funcionar bem nas redes.
Além disso, o curso também explica aos alunos o passo a passo para a monetização das plataformas de redes sociais. TikTok e YouTube, por exemplo, pagam centavos a cada volume X de alcance. A lógica e o “como fazer” são destrinchados.
Aqui é onde entra a primeira intersecção. Pablo usa o canal de comunicação já construído com os alunos e os convida a trabalharem pra ele. Também convida os outros leads em todos seus canais de comunicação.
É simples: Você quer ficar rico trabalhando de casa e pra você mesmo? Imagina ganhar prêmios de 30 mil e 50 mil reais por publicar conteúdo na internet? Conheça o Cortes do Marçal. Você não sabe como produzir conteúdo e criar um canal? Não tem problema, primeiro compre meu curso de 12 reais e depois venha para o Cortes do Marçal. Você já criou seu canal nas redes sociais, já aprendeu a fazer cortes, mas a monetização tá demorando pra engrenar…? Se quiser acelerar isso, pode participar do concurso Cortes do Marçal.
Todo mês, Marçal premia com dezenas de milhares de reais os 3 produtores de conteúdo que alcançarem o melhor alcance com cortes de vídeos dele mesmo em seus canais. Para receber as instruções sobre qual vídeo do Pablo usar pra fazer os cortes, tirar dúvidas técnicas e se inscrever todo mês, basta se tornar membro da comunidade Cortes do Marçal no Discord, que tem 133 mil pessoas (há uma semana, eram 123 mil).
Imagine 133 mil jovens recrutados para produzir e distribuir conteúdo positivo sobre você na internet: é o que Pablo Marçal tem a seu dispor. Uma comunidade altamente engajada e que é financeiramente estimulada para tê-lo como objeto central da sua militância online. Muitos deles inclusive pagaram Marçal por isso (ao comprarem seu curso de 12 reais sobre como fazer cortes).
Não é à toa que, quando surge na disputa eleitoral, já aparece com 10% de intenções de voto, muito à frente de figuras políticas que estão na cena do debate público há mais tempo.
O terreno vai sendo ocupado. Resta saber se Pablo conseguirá mudar a escritura de trambiqueiro de passado obscuro para pai de família pujante, apenas um self made man de valores cristãos.
Essa foi a news de hoje, galera! Respondam este email contando para nós que outros fenômenos de comunicação (bizarros ou não) deveríamos ficar de olho nesta campanha eleitoral.
Um abraço,
Ana Freitas e Ricardo Borges Martins, do Projeto Brief.