Como os jovens se tornaram tão conservadores?
Problemas e demandas reais da juventude do século XXI têm sido capitalizadas e transformadas em projeto político para atraí-los para a extrema-direita. Como reverter essa tendência?
Se você fizer uma lista dos principais valores e princípios que são associados à juventude, provavelmente você vai pensar em coisas como a liberdade, a inconformidade e o desafio às normas vigentes. De fato, a chegada à vida adulta é um período de luta entre o que queremos do mundo e como ele se apresenta. E é esse espírito inconformado que, muitas vezes, leva os jovens para a política (seja através de protestos, militância, ou mesmo através de memes e postagens). E durante muito tempo, esse interesse foi associado à busca de um mundo mais progressista e humanitário: defesa da democracia, dos direitos humanos ou de acesso da população mais pobre a bens e serviços.
Nada disso mudou. Os jovens continuam procurando desafiar as normas e mudar o mundo. Mas, cada vez mais, essa busca por mudança se associa a pautas conservadoras e de direita. Uma série de dados e estudos mostra que os jovens estão cada vez mais conservadores, principalmente homens na faixa de 18 a 24 anos. Um comportamento que contradiz diretamente as tendências de gerações anteriores, de seus pais e avós, por exemplo.
O que, afinal, explica essa guinada à extrema-direita? E, mais importante, como podemos reverter essa tendência?
O que está empurrando os jovens para o conservadorismo?
Fenômenos como este, de mudanças de comportamento político em diversos grupos, apresentam sempre muitas causas. Mas, no caso da guinada à direita dos jovens, conseguimos identificar ao menos 4 grandes fatores que influenciam o discurso do jovem conservador.
1 - Crise econômica e falta de perspectivas
Pelo menos aqui no Brasil (mas também em boa parte do mundo), a chamada "Geração Z", os nascidos entre 1997 e 2010, conheceu um período que prometia prosperidade econômica e boas esperanças de futuro. Finalmente nossa população estava trabalhando, a Economia crescia todos os anos, enfrentamos o analfabetismo e criamos vagas em tempo recorde no Ensino Superior. Parecia que nada podia impedir o futuro das nossas crianças...
Até que começaram as crises econômicas, uma após a outra, motivadas por vários fatores. O mercado de trabalho foi se deteriorando e precarizando aceleradamente, nosso dinheiro passou a perder valor e até mesmo o fantasma da inflação voltou a assombrar nosso bolso. Finalmente o sonho brasileiro estava disponível, e bem quando a gente chega lá, ele deixa de valer a pena. A fórmula de estudar, se formar e conquistar um bom emprego deixou de ser uma certeza. E, no mundo de transformação acelerada, profissões e carreiras deixam de existir da noite para o dia.
No cenário de incertezas e da corrosão da sensação de prosperidade, com influenciadores que insistem que o Estado só serve para tomar nosso dinheiro com impostos e não retorna a população, exceto como assistencialismo, o sonho de um bom emprego é trocado pelas promessas de um "novo empreendedorismo", teoricamente capaz de gerar muito dinheiro em pouco tempo. A esperança de um emprego fixo dá lugar ao desejo por "liberdade" e poder trabalhar "na hora que quiser". Até a CLT, que era a grande referência da classe trabalhadora no Brasil, passou a ser demonizada nas escolas e nas redes sociais.
2 - As bolhas conservadoras, as redes e os algoritmos
Não são poucos os estudos que demonstram como os algoritmos das redes sociais priorizam entregar desinformação, conteúdo radicalizado e discurso e ódio no lugar de informação jornalística ou pautas progressistas. E, se a extrema-direita domina, por muito longe, a arena das redes sociais, então é claro que o público jovem, cada vez mais ativo nas plataformas, está sendo largamente impactado por essa comunicação. E ela tem sido cada vez mais formatada pelos conservadores para fisgar esse público. Através dos conteúdos curtos do TikTok, os vídeos mais longos do YouTube, ou mesmo das "mitadas" do X/Twitter e Discord, a extrema-direita tem conseguido reforçar cada vez mais a ideia de que "homens fortes" precisam se levantar contra o mundo "progressista, fraco e woke".
3 - Masculinidades em crise e feminismo no alvo
Enquanto homens de 18 a 24 anos empurram a curva da juventude para o lado conservador da força, as mulheres jovens, no geral, acompanham as mulheres mais velhas apoiando pautas mais progressistas. A campanha de rejeição à "cultura Woke", que nos últimos anos tem impulsionado candidaturas de direita em todo o mundo, tem dado frutos. A ideia é que enquanto as pessoas discutem bandeiras "identitárias", elas perdem tempo de pensar na Economia e alternativas para o mundo.
Mas com o feminismo é diferente. É notável que nunca se avançou tanto nos direitos das mulheres como nos últimos anos, e como esses direitos mudaram diretamente a vida delas. Enquanto homens não veem perspectivas de mudanças concretas no mundo a partir da política, as mulheres colhem diretamente os frutos dessas mudanças. E justamente essas pequenas melhorias são usadas pelo discurso conservador como "ataques aos homens". A percepção geral é de que, quanto mais a igualdade entre os gêneros avança, menos espaço, liberdade e oportunidades os homens terão. Por isso, o discurso de que o movimento feminista está destruindo as famílias e criando homens fracos tem voltado com força junto aos jovens. O discurso é de que a pauta das mulheres impede esses jovens de desenvolverem todo seu potencial.
4 - Cultura do ressentimento e vitimização masculina
Só que o feminismo não é o único "inimigo" dos jovens conservadores. Replicando a estratégia persecutória da extrema-direita, de criar rivalidades profundas na sociedade, os direitos LGBT, as cotas raciais, os benefícios sociais (principalmente o Bolsa Família, que "cria uma massa de pessoas que não quer trabalhar") e qualquer figura ou ideia progressista é imediatamente atacada por esse grupo, que rejeita qualquer tentativa de mudança na ordem atual das coisas, pois a ordem atual das coisas privilegia essas pessoas. Influenciadores de direita passam o dia criando conteúdos dizendo como tem uma grande "ordem globalista" organizada diretamente para atacar todos os privilégios do homem na sociedade.
O resultado? Um jovem que se sente traído pelo sistema e busca refúgio em um conservadorismo reativo e radicalizado.
A religião e a radicalização
"Resgatar" um passado que parecia mais próspero (pelo menos para homens, brancos e de classe média) também passa por resgatar o tempo que a igreja tinha mais influência na sociedade. Muitas das lideranças e influenciadores de direita também têm forte presença em igrejas, e aproveitam o púlpito para vincular o discurso conservador ao discurso religioso. E é fácil perceber como algumas igrejas e agremiações estão sendo criadas ou remodeladas especialmente para atrair e comportar esses jovens conservadores. A relação entre igreja e política é tão antiga quanto as próprias religiões, mas ela assumiu diversas formas ao longo do tempo - inclusive, com ares e perspectivas progressistas. Não se trata, aqui, de se opor ou "demonizar" as aspirações políticas de líderes religiosos, mas de mostrar como, em um tempo onde os jovens têm poucos espaços de socialização, convivência e comunidade, a igreja se oferece como o canal para comportar essas pessoas, seus anseios e suas angústias. E junto a um discurso conservador, muitas vezes radicalizado, oferece um espaço onde esse jovem se sente ouvido, compreendido - e acreditado.
Também pela via da religião a direita tem conseguido dialogar com mulheres jovens, em um discurso que vincula toda a pauta conservadora à "defesa da família", e que ataca a luta por igualdade entre gêneros como uma "competição" das mulheres contra os homens. O movimento "tradwife", de mulheres que vendem como lifestyle uma vida de esposa tradicional, completamente dedicada ao cuidado da casa, do marido e dos filhos, é apenas uma face radicalizada desse discurso. Não por acaso, as maiores figuras conservadoras do país - Michelle Bolsonaro e Damares Alves à frente, têm forte presença nas igrejas.
Essa onda conservadora tem solução?
Como vimos, o processo de empurrar os jovens para o mundo conservador foi impulsionado por muitos fatores. E, se há um trabalho intenso da direita para converter (e manter) essas pessoas identificadas com a direita, uma reação progressista para disputar essas pessoas exige um trabalho ainda maior. Algumas perspectivas e iniciativas nos apontam caminhos para começarmos a trabalhar, em escala, a comunicação com esse público. Lápis e caneta na mão, atenção nas dicas.
Ofereça narrativas alternativas envolventes: não basta manter uma postura reativa com as fake news, a esquerda precisa aprender a criar narrativas emocionantes e atraentes, que dialogam diretamente com os anseios dessas pessoas.
Criar espaços positivos de masculinidade: em tempos de enfraquecimento de laços através das redes sociais, é fundamental, para esse público, se sentir em comunidade e cumprindo uma "missão" de defesa do planeta. Combater esse senso de comunidade não basta, é preciso trazer novos cenários e espaços de troca e conexão entre homens, onde se promova uma visão mais humanizada de masculinidade.
Mostrar que igualdade beneficia a todos: quando o governo anuncia projetos como o pé-de-meia, por exemplo, mirando a população mais pobre, há um incentivo geral para estudantes se aplicarem e concluírem o Ensino Médio. Normalmente, políticas públicas que miram a diversidade, trazem melhorias para muitos outros grupos ao mesmo tempo. O discurso progressista precisa reforçar como sociedades mais igualitárias são mais prósperas, seguras e justas – inclusive para eles. (E, sim, a Lei Maira da Penha também se aplica a casos de maridos agredidos).
Desafiar os influenciadores conservadores: combater a extrema-direita, nas redes, vai muito além de "desmentir fake news". Formatos como o react, o confronto direto e os desafios atraem muito mais esse público. É importante confrontar, denunciar e desmontar as narrativas e os influenciadores da extrema-direita - muitos se vendem como cidadãos indignados e desinteressados da política, uma narrativa que é facilmente desmontável com poucas pesquisas.
#RadarBrief | Como entender (e combater) a onda jovem antidemocrática
Essa conversa não se esgota, apenas se inicia, com a análise desses dados. Compreender essa radicalização da juventude passa por diversos fatores - e, por isso, reunimos um compilado de links interessantes para você entender mais sobre esse universo peculiar da política atual.
1. Juventude e conservadorismo: qual a contradição? - Beatriz Bessen | Nexo Políticas Públicas
Em um estudo conduzido por uma psicóloga e especialista em Educação, o fenômeno de onda do conservadorismo jovem no mundo é destrinchado em seus múltiplos aspectos, contradições e desafios. Um aprofundamento científico daquilo que vemos pelas telas e pelas ruas.
2. Jovens conservadores criam 'trend' com música de Elis Regina - José Diogo Cotrim | TikTok
Esse vídeo desconstrói a dinâmica de atuação digital de jovens conservadores, a partir de uma 'trend' em que eles usaram "Como Nossos Pais", uma das músicas mais simbólicas do período de luta contra a ditadura militar, para promover suas pautas conservadoras e de direita.
3. "Quem é a nova direita radical brasileira" e "A polêmica dos 'missionários influencers' nas escolas públicas" | UOL Prime
Em 2 episódios desse podcast do UOL, José Roberto de Toledo entrevista 2 repórteres que investigaram a fundo a configuração dos novos (e jovens) líderes da extrema-direita, figuras radicalmente conservadoras e verdadeiros fenômenos nas redes e nas urnas. Capitaneados por figuras como Nikolas Ferreira, esses jovens conseguem se fazer ouvir e tomar a frente do campo conservador. Com mais influência, muitas vezes, que grandes chefes da extrema-direita. O conservadorismo entre jovens não é um fenômeno espontâneo – ele é construído por algoritmos, crises sociais e discursos reacionários bem organizados.
A boa notícia? Essa tendência pode ser revertida. Mas, para isso, é preciso disputar espaço com narrativas progressistas mais envolventes e estratégias eficazes. Precisamos de um progressismo que fale a língua dos jovens e que dialogue com suas angústias – sem moralismo, sem arrogância, mas com firmeza. Se queremos um futuro mais democrático e igualitário, essa disputa precisa começar agora.
E quanto a você, leitor? Já tinha reparado essa onda de radicalização de jovens, especialmente homens, na internet ou ao seu redor? Como você acha que podemos reaproximar a juventude do campo progressista? Conta pra gente, em resposta a esse e-mail, e vamos fortalecer nossos canais de diálogo.
Um abraço,
Equipe do Projeto Brief.